10 de mar. de 2010

Entrevista com Francisco Brêtas

O Dublanet por meio do Coordenador Reinaldo fez uma entrevista exclusiva com o dublador paulista Franscisco Brêtas que dubla entre tantos personagens o Hyoga de Cisne do anime "Os Cavaleiros do Zodíaco"!

Confira!

Como você se tornou dublador?
Em 1987, eu já trabalhava como ator há mais de dez anos, resolvi por sugestão de Eduardo Camarão, com quem já havia trabalhado em teatro, visitar a Àlamo, para fazer  um estágio com Nair Silva, que dirigia lá então. Depois de três meses assistindo diariamente, as produções daquele estúdio, Nair me colocou pra dublar uma cena super difícil de um filme que contava a vida de duas críticas de cinema da Hollywood dos anos 30 e 40, uma delas se chamava Louella Parson(??) e eu fazia o filho dela. Nair gostou do resultado e me apresentou à seu marido, Líbero Miguel (famoso tanto por dar chances aos iniciantes na carreira, como por nunca esquecer velhos companheiros de rádio teatro e televisão, que já estavam aposentados)Fui convidado para fazer, logo de cara, "Os Flashmans", no papel de Din ou REd Flash; os heróis eram feitos por jovens atores e os vilões, magníficamente  interpretados por atores mais experientes e consagrados em rádio. Dr Kéflen por exemplo foi dublado por Gastão Malta, um dos "grandes" do rádio teatro, tanto que chegou a ter um programa onde ele era o herói absoluto, gerando suspiros e admirações de uma grande legião de fãs, em uma época em que toda familia brasileira acompanhava com grande interesse, os capítulos diários das famosas rádio novelas, que fizeram a glória de muitas emissoras como a Radio Nacional e a Radio São Paulo. Além de Gastão Malta, tínhamos tbem: Deise Celeste(Néfer) Sonia Regina, Nair Silva (O robozinho Mag), Líbero Miguel ( Monarca La Deus) Marcos Lander (Wandar), entre outras "feras".

Você se recorda dos seus primeiros trabalhos? cite alguns recentes.   
Então, como primeiro trabalho houve Flashmans, Google Five, Maskman (sempre fazendo os "vermelhos": Red Google, Red Mask, etc). Fiz tbem Retsuga em Jiraya, Seishi em Giban ao lado de Carlos Laranjeira que já havia feito Flashman comigo, Shadow Moon em Black Kamen Rider, Lion Man, etc. Trabalhos mais recentes, fiz Pequena Miss Sunshine, O Libertino, Camisa de Força, Sideways, Brokeback Mountain, Robbie Rotten em Lazytown, O Crítico, a série "O Aprendiz", etc.

Quais os personagens que você mais gostou de fazer?
Adorei fazer Hyoga de CDZ, Pompadour de Babar; Jack Twist de Brokeback Mountain; Agrado de "Tudo sobre a minha mãe" de Pedro Almodovar; Gary Oldman em Sangue de Romeu; Tim Robins em "O Jogador" de Robert Altman, Jim Carrey em "O Mentiroso e por aí vai.

Ao longo dos anos temos perdido grandes dubladores, como é a sensação de ter trabalhado com muitos mestres e pelo acaso ter que viver das boas lembranças com eles?

De todos os grande atores com quem trabalhei sempre aprendi alguma coisa e ainda hoje aprendo. Quando comecei, brilhavam absolutos na dublagem: Ezio Ramos, Marcos Lander, Líbero Miguel, Gastão Malta Waldir Wey, Sandra Campos, Liria Marçal e muitos outros. Fica deles todos por um lado um orgulho imenso de ter tido o previlégio de observá-los trabalhando, suas técnicas, respiração, dicção e sobretudo as grandes interpretações e por outro lado, fica o exemplo de transformar em arte um ofício tão específico, quanto o da dublagem. Os atores recebem os textos no exato momento em que vão gravar, vc tem dois minutos para ler o texto, entende-lo e imprimir no filme a emoção total que a cena pede e  acredite:dublar com brilho e espontaneidade, além de não ser uma tarefa das mais fáceis, não é pra qualquer um não. È preciso muito talento e reflexo para que o público, se esqueça de que o filme foi dublado. Quando nosso trabalho desaparece mais completamente, é aí que ele passa à existir de fato e  a cumprir sua missão maior que é: divertir e fazer sonhar.

Quem são os seus "ídolos" na dublagem?
Borges de Barros (pelo inesquecível Dr Zachari Smith de Perdidos no Espaço), Helena Samara, Gessy Fonseca e Isaura Gomes.

Além da dublagem você faz teatro, como você consegue equilibrar" o seu tempo com as duas atividades?
Não é fácil não. Tenho que fazer um verdadeiro malabarismo. Ainda bem que conto com a compreenção dos empresários da Vox Mundi,( o estúdio onde dirijo) e consigo adaptar os meus horários e trabalhar nas duas áreas.
  
Você tem preferência por algum tipo de produção: série, desenho, novela, filme, documentário... ?
Gosto muito de desenho (apesar de achar mais difícil a execução, é mais divertido pra se dublar) e adoro fazer filme com bons roteiros e principalmente bons atores. O desafio de construir só no timbre vocal, um personagem que foi interpretado por outro ator, é o que faz dessa carreira um desafio constante e uma busca de aprimoramento incessante e  diária.

Qual é a sensação de dirigir grandes dubladores que antes te dirigiam?
A sensação é de aprendizado sempre. Ouço as sugestões que eles propõem e aprendo muito com eles, afinal, eles já brilhavam nesta área enquanto, eu menino, assistia extasiado as interpretações deles, lá no interior das Minas Gerais. Quando um ator pressupõe que já não há mais nada para aprender, este ator está morto para o ofício.

O Hyoga com certeza é um dos seus personagens mais marcantes, como é dublá-lo?
Percebí com o tempo que o Cavaleiro de Cisne, é diferente de seus pares. Hyoga, ao meu ver, é o mais retraído dos Cavaleiros. Ele tem uma ligação muito forte com a Mãe ( que ele viu falecer), com seu Mestre Camus, com Atena e com seus amigos cavaleiros. O sentimento dele está sempre muito ligado ao passado e aos valores que ele à duras penas e muito gelo, aprendeu a respeitar. Ele prefere o anonimato. Mas quando se trata de defender o que ele acredita, ele só enxerga uma única coisa na frente : A Vitória.  È um obstinado. Imprimi um tom de voz mais calmo e doce para que ele, pudesse mostrar que sua atenção está voltada para dentro , diferente das versões oriental e latina, onde o tom heróico se sobrepõe todo o tempo.

Quais são as maiores dificuldades em se dublar tokusatsus?
A língua. O japones é muito diferente do português, além do que, eles são muito expressivos e balançam muito a cabeça. Então além de sincronizar e dublar os lábios, temos que cuidar das sílabas tônicas, para que coincidam com os movimentos vibrantes que eles fazem com as cabeças. E além de tudo,  tornar crível para quem está assistindo. No fim é tudo muito divertido.

Prefere dublar vilões ou mocinhos?
Os vilões sem dúvida. Os  mocinhos são muito previsíveis. Admirados, mas previsíveis.

Como foi dublar o filme O Segredo de Brokeback Mountain, ums dos filmes mais comentados nos últimos tempos?
Fui escolhido pelo ator e tbem diretor Carlos Silveira para protagonizar este filme ao lado de Alfredo Rolo.Eu já havia assistido ao filme e fiquei bem impressionado com o trabalho dos dois atores. Acho que a polêmica aconteceu muito pelo fato de ser o tema sobre a homossexualidade ainda tabu. Ang Lee, o diretor,conseguiu um resultado bastante sensível, mostrando uma história que na verdade trata sobre a falta de comunicação, é um filme belíssimo sobre o silencio. A questão da homossexualidade, ao meu ver, fica em segundo plano. O universo sobre o desejo reprimido e  a incapacidade para se lidar com o amor, fazem deste filme, quase uma alegoria sobre o amor silencioso e não menos doloroso e não menos amor.
Quando fui dublar,  tudo isto estava na minha cabeça, e deveria transparecer em cada fala, em cada palavra e sobre tudo na falta delas.

Qual sua opinião sobre o "Boom" que a dublagem causou nesses últimos anos em que várias pessoas querem ser dubladores (as)?
Acho interesante. A arte de interpretar, seja em que veículo que for, é sempre vista com um certo olhar glamouroso. Acho importante que as pessoas comecem a ver a dublagem sem preconceito e com ouvidos mais atentos, há muita gente talentosa por traz dos rostos conhecidos e desconhecidos do cinema mundial. Só não devemos nos esquecer,  de que é preciso antes de mais nada, que o interessado, faça um  curso de interpretação e que se  profissionalize. Procure uma boa escola para atores e se instrumentalize. Não adianta fazer curso de dublagem se vc não é ator, porque não poderá ingressar na carreira até que tenha um registro profissional de ator. Há muitos cursinhos de dublagem espalhados por aí, que são verdadeiros caça níqueis. Procure um curso em que atuem profissionais idoneos e sérios, que estejam interessados em formar atores em dublagem e não só em ganhar algum dinheiro. Está cheio de cursinhos-arapucas por aí. Escolham com cuidado e se informem, sobre por exemplo, quem leciona nestes cursos. Não basta somente que o professor seja um dublador, mas sobretudo, que ele conheça de fato a profissão e que tenha capacidade para passar o conhecimento que possui.

Qual sua opinião sobre essa nova geração de dubladores que entram no meio muito cedo?
Eu sou sempre a favor da renovação. È fato que alguns pais, as vezes até contra a vontade do filho, forçam a criança a fazer dublagem. E se ela não tiver vontade ou talento, é pura perda de tempo. vai estressar a criança, o diretor e o resultado será descartável. È preciso muita persistencia, para quem de fato quer ingressar na profissão.

O que você acha das pessoas que dizem que "odeiam" a dublagem?
Vivemos em uma democracia e acho além de justo, bem saudavel que as pessoas possam dizer o que pensam à respeito disso ou daquilo. O que me parece uma idiotice, é uma certa campanha, contra a dublagem. Em qualquer pais do mundo a dublagem existe e é, em graus diferentes, muito bem aceita. Convivemos com a dublagem desde que a televisão foi criada. E a maioria dos detratores de dublagem, cresceram ouvindo a língua mãe na boca de Elizabeth Taylor, Rocky Hudson, Doris Day, Fred Aster, Judy Garland, Popeye, Picapau, Fred Flinstone, etc. Vc consegue conceber o Zé Colmeia falando em outra língua que não seja a nossa? Tanto é assim, que quando tróca-se uma voz, imediatamente o público rejeita e reclama. Vivemos num país com um grande número de jovens e idosos, que não conseguem acompanhar a velocidade das legendas, e os que conseguem tem uma tradução reduzida do que é dito na tela. Isso sem falar no número estarrecedor de analfabetos e de deficientes visuais. E já que vivemos em uma democracia, os  puristas podem apertar a tecla SAP e ouvir na versão original, não é simples? È claro que existem filmes mal dublados, vozes mal escolhidas, atores canastrões dublando etc, mas isto não significa que todos os filmes são mal dublados, que todos são canastrões. Existem carros que são verdadeiras carroças, o que não significa que a industria automobilistica brasileira seja péssima e por isso deveria ser abolida... Existem filmes ruins, o que não sinifica que Hollywood deveria ser exterminada do planeta. È só uma questão de bom senso e de como disse acima: de democracia.

Qual sua opinião sobre famosos dublando?
Não vejo problema nenhum, contanto que seja um bom ator e que domine esta linguagem específica da arte de representar. Geralmente um bom ator irá se tornar um bom dublador, num prazo mínimo de tres anos ou mais, isto é, se dublar com frequencia. O que não dá pra engolir, é as distribuidoras acharem que só porque tem uma girafa engraçada, chamarem aquela codiante sem graça que nunca entrou em um estudio de dublagem na vida, porque acreditam que a presença dela irá fazer aumentar a bilheteria. O resultado é que geralmente se vê: dublagens de péssima qualidade, com atores que já são sofríveis na televisão, se tornando mais sofriveis ainda nas telas e só estão lá por que são famosos e alguns nem atores são, como foi o caso da turma do Pânico que andou dublando filmes por aí. Cada macaco no seu galho, ainda que todos gostem de bananas. Se tiver talento e for ator, nada contra, o sol nasceu pra todos e a dublagem tbem. Quem tem competência que se estableça.

- Você conhece a dublagem carioca? Na sua opinião tem alguma "rivalidade" entre os 2 estados?
Sou da mesma opinião que Chico Buarque (o carioca mais paulistano de todos): Discutir quem é melhor entre os dois estados é de uma pobreza acachapante. Tem dubladores bons e ruins dos dois lados. Tem muito paulista dublando há anos no Rio de Janeiro e muitos cariocas dublando aqui em São Paulo. No meu entender, quanto menos sotaque a dublagem tiver, melhor para os espectadores. Acho uma chatice o "Caraca mermão" dos cariocas,  como tambem o "entendeeendo" italianado dos paulistas. A dublagem deve ser "branca", para se usar um expressão de dublagem. Ela tem que ser brasileira, com dicção e interpretações irrepreensíveis, o resto é conversa de porta de botequim. Abaixo o bairrismo, somos brasileiros e ponto!!

Você prefere a dublagem atual que se grava as falas sozinho ou como antes que era feita em grupo na bancada?
È mais funcional e mais produtivo se dublar sozinho, mas eu achava mais divertido dublar com os colegas. Vc podia sentir o calor da interpretação do colega e contracenar com ele, mas leva mais tempo.

Qual a sua opinião sobre o mercado atualmente em que tudo é feito em ritmo rápido sem um acompanhamento mais profundo nas produções?
Lamentável. Sinal dos tempos. Mas alguns estudios já estão despertando para o fato de que é preciso um esmero maior na execução do trabalho. Porque assim se tem mais qualidade, diretores mais atentos á interpretação e uma clientela e público mais satisfeitos.  Não se pode e não se deve abrir mão da qualidade final do produto. Os equipamentos hoje em dia são ultra-rápidos, desta forma teóricamente sobra mais tempo, para se exigir um esmero maior dos profissionais que trabalham com dublagem.

Já reconheceram sua voz na rua? teve algum caso interessante.
Já reconheceram sim.. principalmente no teatro. As pessoa sentem que já ouviram aquela voz em algum lugar mas não conseguem definir exatamente aonde. è engraçado.Mas uma vez  fui comprar um produto numa loja e a menina do caixa, parou a fila pra tentar descobrir os personagens que eu fiz, as séries.. O pessoal atráz de mim, não estavam entendendo nada.
- E como é receber tanto carinho dos seus fãs pela internet? Algum fã já fez uma loucura por você?
 Pra falar a verdade acho que a melhor coisa da profissão, é ter seu trabalho reconhecido por tantas pessoas. E no caso da dublagem mais ainda, uma vez que nossos rostos não são muito conhecidos. Adoro este contato e procuro sempre receber meus fãs com o mesmo carinho com que eles recebem o meu trabalho. Acho muito importante saber que fiz parte da infância de milhares de brasileiros e contribuí de alguma forma com um pouco de alegria, aventura, emoções e sobretudo com a capacidade de reiventar a vida, que cada um deles teve que aprender.Loucura de fãs? Além dos inúmeros desenhos, quadros, discos, poemas e carinho que recebo deles, tenho uma fã que me liga duas vezes por dia do Rio de Janeiro há 10 anos, loucura né não?

Você tem algum hobby quando tem tempo livre?
Gosto de ir ao cinema e ao teatro. E como bom mineiro, adoro praia tbem e sempre que posso, vou tomar um banho de mar.

Você já fez uma viagem inesquecível? Para onde?
Já fui algumas vezes para Conceição de Ibitipoca, em Minas.Tem um parque ambiental lá que é maravilhoso. Andar na chuva, em silencio, durante tres horas e subindo um morro, é uma experiencia reveladora.

Deixe o seu conselho pra quem quer se tornar dublador!
Estude, dedique-se à aprender a arte de representar. Não desista dos seus sonhos, considere cada barreira como um convite à uma dedicação cada vez maior. A vida é feita de sonhos, quem não os tem, está com a alma aposentada!

E Para finalizar, Dê seu recado a todos seus fãs aqui do Dublanet!
Tenho vcs todos como grandes amigos queridos, que estão do outro lado do microfone. Saibam que faço meu trabalho, sempre procurando realizá-lo da melhor forma possível. È sempre bom conhece-los. Vcs são a razão do meu ofício. Um grande abraço a todos e que possamos nos conhecer um dia!
Muito obrigado pelo grande carinho com que me tratam e acompanham o meu trabalho.

Todos os créditos da entrevista para o fórum dublanet: http://www.dublanet.com.br/

Nenhum comentário: